Maneiras sombrias de narcisistas terminarem relacionamentos
- Getulio Tamid

- 1 de out.
- 3 min de leitura
Uma leitura freudiana com casos clínicos e referências culturais

1. O Conflito Encenado: “A briga final”
O narcisista, ao se preparar para o descarte, transforma cada pequena interação em guerra. Não se trata de conflito real, mas de um ritual de encenação, em que o parceiro é acusado de tudo.
📖 Freud e os atos falhos:Em A Psicopatologia da Vida Cotidiana (1901), Freud mostra que lapsos e explosões são revelações involuntárias do inconsciente. A briga que parece “exagerada” é, na verdade, a dramatização de um desejo latente: “preciso me livrar de você, mas não posso assumir isso.”
🧑⚕️ Caso clínico:Freud relatou pacientes que, ao narrarem discussões conjugais, “esqueciam” detalhes importantes ou trocavam palavras, revelando rancores ocultos. Uma mulher, por exemplo, dizia “meu marido não me escuta” e, ao tropeçar nas palavras, disse “não me escora”. Freud destacou que a confusão não era acidental: ela revelava o peso inconsciente de sentir-se sustentando o casamento sozinha.
🎬 Exemplo em filme:Em História de um Casamento (Marriage Story, 2019), a briga final entre Charlie e Nicole é carregada de acusações que beiram o irracional. Não importa quem tem razão, mas quem “vence a narrativa”. Esse é o modus operandi narcisista: transformar a cena final em prova de que o outro foi o culpado.
2. O Desaparecimento: “Nunca termina, mas some”
O famoso ghosting não é só modernidade digital — Freud já dizia que o esquecimento deliberado é uma forma de recusar o valor do outro.
📖 Freud e o esquecimento:Na obra, Freud cita pessoas que esqueciam nomes ou compromissos importantes não por acaso, mas por desejo inconsciente de afastamento. O narcisista que bloqueia e desaparece está, na verdade, apagando o parceiro do campo simbólico.
🧑⚕️ Caso clínico:Freud analisou um homem que constantemente esquecia compromissos com a noiva. No trabalho, era pontual; com ela, não. O “esquecimento” revelava ambivalência inconsciente em relação ao casamento. O narcisista moderno repete isso: sua ausência não é falha de memória, mas um ato carregado de sentido — a negação da existência do outro.
🎬 Exemplo em série:Em You (Netflix), Joe Goldberg literalmente desaparece e ressurge na vida de suas vítimas. Para ele, a pessoa só existe quando está sob sua lente. Fora dali, é como se fosse deletada. O parceiro do narcisista sente-se “morto-vivo”: em espera, suspenso entre presença e ausência.
3. Induzir o Outro a Terminar: “A vítima que se faz”
O narcisista muitas vezes prefere que o parceiro rompa. Assim, ele preserva sua imagem. Para isso, recorre a manipulações sutis: provocar ciúmes, ressuscitar ex, agir frio, dar silêncio calculado.
📖 Freud e a racionalização:Freud notou que muitas desculpas cotidianas escondem motivações inconscientes. O parceiro que “se afasta porque está muito ocupado” muitas vezes está, na verdade, realizando um desejo inconsciente de livrar-se do laço. O narcisista leva isso ao extremo, fabricando uma distância até que o outro diga: “acabou.”
🧑⚕️ Caso clínico:Em sua clínica, Freud analisou pacientes que mantinham relações extraconjugais, mas falavam delas com “indiferença”. Quando questionados, diziam não ser nada. A indiferença, para Freud, era um sintoma: revelava a divisão interna entre o desejo e a imagem de si. O narcisista faz igual: joga com o desejo de outros, mas sempre negando, para que a culpa recaia no parceiro que “não aguentou”.
🎬 Exemplo em clássico:Em Gaslight (1944), o marido faz a esposa duvidar da própria sanidade, deixando que ela se afaste. A estratégia é semelhante: não assumir a ruptura, mas empurrar o outro para a posição de quem rompe — e, portanto, carrega a culpa.
Conexão Teórica
Freud: nos ensina que esquecimentos, brigas desproporcionais e afastamentos não são acasos, mas atos psíquicos significativos.
Narcisismo: o rompimento não é apenas fim de laço, mas uma cena de poder — o narcisista precisa sair como protagonista, seja como herói injustiçado ou vítima abandonada.
O parceiro: é levado a ocupar o papel de culpado ou de “fantasma”, apagado da cena.
Esse artigo está baseado em um texto de Lisa Jordan graduada pela New York University e de nossa experiência clínica no atendimento de sobreviventes de abusos psicológicos causados por relacionamentos violentos e tóxicos. Para marcar uma sessão com um dos nossos especialistas, clique no botão abaixo.





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